segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Desgosto - crônica com um final anunciado!



Aquela noite de verão terrivelmente quente fazia da lua um sol à sombra e dele, um corpo boêmio e escaldante derretendo pelas ruas afora e buscando numa dose supergelada o consolo para o dia insuportável que passara. Foi ao Silva’s, mistura de bar e restaurante old fashion, na esquina, próximo da casa de seu chefe.  No bar pediu o drink de sempre: Taitânique (versão tupiniquim) vencedor de onze “martelinhos de ouro” , onde o barman misturava bourbon, sete gotas de angostura, suco de meio limão e completava com gelo picado à la Sharon Stone. 

O primeiro gole desceu macio como um veludo. Metódico, beliscava o sexto grão de amendoim quando percebeu suas narinas inundadas por um mar de cheiro, uma mistura de endro e queijo roquefort derretendo e que não lhe era desconhecida. Virou-se e percebeu um vestido negro envolto com um avental de bordado dourado na frente – sim, nesta crônica a garçonete atende de vestido preto e avental bordado!!! -  movendo-se até a mesa ao lado segurando um belo prato que pelo canto do olho percebeu ser um de seus preferidos. A sua ex-namorada adorava esta união de cheiros e sabores. Ficou chocado, afinal moraram juntos por 4 anos e há 2 estavam separados e desde então nunca mais tinha encontrado-a. Um calafrio subiu pelo buraco de sua meia e dissipou-se pelo corpo, congelando seus movimentos quando avistou sentada na mesa ao lado ela, a própria, sua ex-namorada! Imobilizado, fitou seus olhos naqueles mesmos cabelos negros e na boca vermelho carmim. Que saudade de suas receitas, meu Deus! Como ela cozinhava bem e agora ela está ali, no seu restaurante preferido... 


Por um breve momento trouxe de volta à lembrança o inverno de 2012, passado em Bariloche e da aposta que fizeram: descobrir quem primeiro chegava ao teleférico, sem roupas, somente com um espartilho encobrindo-lhes a visão. Ela ganhou, pois ele tropeçou nas alças da cinta-liga e caiu, de bruços, defronte a estação, completamente nu, portando apenas um cachecol no pescoço e uma verruga de nascença no traseiro. Mas o suor escorrendo em sua camisa de linho branca acabou com a lembrança e trouxe-lhe de volta a realidade, quebrando o gelo e motivando-lhe para o encontro. Sim, por tanto tempo separados, por tanto tempo sem saciar a sua fome – em todos os sentidos - habilitava-o ao contato. Mas, neste exato momento, eis que surge uma loiraça escultural, aproximando-se languidamente. A loira sentou ao lado de sua ex-namorada, ali, bem pertinho dele, puxou-a com seus dedos longos e finos trazendo sua boca de encontro à dela e desferiu-lhe um cinematográfico beijo, um belo velcro. Embasbacado, acomodou-se novamente na cadeira. Não acreditou no que viu. Tudo bem, por uma loira daquelas até ele se transformaria... 

Então, a garçonete se aproximou e serviu às moças com uma belíssima porção de Salmão ao Molho Roquefort – o seu prato preferido! Agora tudo estava claro: as brigas, as noites que ficou sem jantar, a separação, o espumante quente... Mas Salmão ao Molho Roquefort ele não poderia aceitar! De jeito nenhum! Tudo menos isso. Esse era o seu prato preferido! Levantou-se, dirigiu-se até a mesa onde elas estavam e num gesto ágil, pegou a posta de salmão e saiu correndo rua afora, comendo-o com as mãos, delirando em largas risadas. 

Por algumas noites ainda viram-no rondando o restaurante. Depois disso nunca mais tiveram notícia dele. E o Silva´s nunca mais serviu Salmão ao Molho Roquefort.                                                                                      

                                                                   

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