Serão legítimos? Vale a pena
participar? O que se ganha com isso? O consumidor os considera? Eles podem
criar tendências de mercado? Esta e mais uma série de perguntas transitam na
cabeça de muita gente do mundo do vinho sobre os concursos da bebida de Baco. E
neste artigo é possível encontrar uma série de respostas de quem vivencia diretamente
tais eventos. Com a palavra enólogos, jornalistas, críticos e produtores.
O mercado de vinhos brasileiro
está em expansão, isto é claro. De alguns anos para cá o consumo tem aumentado
e as tentativas tanto das vinícolas quanto de importadores de popularizar não o
vinho, mas o seu consumo, vem ocorrendo por várias frentes. Uma das oportunidades
para impulsionar tal visibilidade e consequente criação do desejo em degustar é
pelas vias dos concursos de vinhos.
No Brasil existem vários deles,
certamente mais de uma dezena contando os mais expressivos, além de centenas de
concursos mundo afora, onde também muitas vinícolas nacionais inscrevem seus
rótulos em busca de uma medalha ou troféu. Neste cenário posto se buscou
respostas para análise da legitimidade dos mesmos concursos – não do ponto de
vista legal ou ético pois parte-se da premissa que todos são idôneos e sérios –
mas pela visão de quem dele participa como concorrente ou jurado, na intenção
de clarear tal mobilização.
- É importante uma vinícola
colocar seus vinhos para participar de concursos e avaliações?
Um concurso bem elaborado e com
ampla divulgação midiática pode resultar em ótima oportunidade para as
vinícolas divulgarem seus vinhos levando esta premiação até o público
consumidor além de ancorar nos concursos um feedback sólido sobre as amostras
enviadas aos jurados, podendo alinhar assim e achando necessário a sua rota
produtiva. O consumidor inseguro em sua escolha pode ser influenciado por
medalhas estampadas nos rótulos de vinhos e espumantes e mesmo ao pesquisar
sobre o que comprar, ter tal premiação como decisiva na sua escolha.
“Eu tenho como foco elaborar vinhos que agradem o consumidor final, não estou muito preocupado com resultados de concursos e premiações”. Márcio Brandelli
Didú
Russo, avaliador, publicitário, consultor e articulista de vinhos, pensa que
sim. Segundo ele, a concorrência é muito grande e o desconhecimento do
consumidor maior ainda. “Se considerarmos que o consumidor tem à disposição
cerca de 22 mil rótulos de vinhos e espumantes, certamente um vinho que ostenta
uma premiação lhe passará confiança” atesta. Márcio Brandelli, produtor e sócio
da Vinícola Alma Única do Vale dos Vinhedos, em Bento Gonçalves, observa que
tudo depende da estratégia de cada vinícola, de como ela quer se posicionar
frente a seus clientes, da quantidade produzida, pontos de venda que possui e
se essa visibilidade pode fazer a diferença necessária para o negócio.
- O que uma vinícola pode efetivamente
ganhar ou perder com essa participação?
“O retorno de uma participação em concurso não pode ser medido objetivamente" comenta o jornalista Irineu Guarnier Filho. E dispara: “quando os vinhos são premiados com medalhas, há ganhos de marketing, pois os produtos recebem um aval de um corpo de degustadores especializados, que pode - ou não - servir de orientação para consumidores iniciantes ou em dúvida sobre o que comprar. Não vejo prejuízo em participar de um concurso. Os valores de inscrição de amostras são, em geral, pequenos em relação ao retorno publicitário gratuito que uma premiação pode proporcionar. E, se não houver prêmios, também não haverá maiores prejuízos, porque os concursos sérios não divulgam os nomes dos vinhos que não obtêm boas notas”.
“Degustar às cegas - como deve ser em qualquer concurso sério - é uma grande lição de humildade”. Didú Russo
Falando em vinhos com notas ruins, um enólogo que preferiu não se identificar
comentou que um ponto negativo da participação em concursos seria voltar com
medalha de Bronze que seria pior do que não ganhar nada, pois se não ganhar
nada ao menos ninguém ficaria sabendo. Celso Gromowski, gestor comercial da
Dunamis Vinhos e Vinhedos, de Dom Pedrito/RS entende que as degustações são
realizadas por profissionais sérios e prestigiados, além de serem “às cegas”,
ou seja, sem influência de marca. E a avaliação de um grupo de experts no mundo
do vinho ajuda a validar os esforços realizados pela vinícola. Uma boa
avaliação num concurso pode inclusive servir como trampolim para que os vinhos
sejam levados pela divulgação propiciada ao conhecimento de pessoas em diferentes
partes do mundo.
- Vinho ganhador de concurso
aumenta de preço para o consumidor?
Para alguns produtores concursos
ou prêmios não fazem o vinho custar mais caro, pode ajudar a vender, mas não
vai conseguir vender se aumentar o preço por causa do reconhecimento. Mas
sabemos que há vários e vários exemplos de vinhos tanto nacionais quanto
importados que dispararam de preço após terem sido condecorados, não que tal
procedimento seja desabonador, pelo contrário, o produtor busca o retorno do
seu investimento e busca pela qualidade diferenciada, e, geralmente, assim que
a premiação ocorre a procura pelo rótulo aumenta e diminui a oferta, por
consequência, o remanescente tem preço revisto. O que – no caso brasileiro –
influencia o preço final não é tão somente a margem do produtor, mas a elevada
carga de impostos e custos de produção, mas isso é assunto polêmico para outro
artigo.
- Por que na maioria das vezes os
rótulos de médio preço é que se sagram vencedores?
Jhonatan Marini, enólogo da
vinícola Famiglia Valduga, do Vale dos Vinhedos, explica que os produtos
Valduga são enviados de acordo com o perfil do concurso e também da
disponibilidade dos mesmos no país onde este concurso se realiza. “Os rótulos
de médio preço são extremamente competitivos no mercado e é a fatia que compõe
a maior parte dos vinhos consumidos no mundo, sendo assim, ter uma medalha nos
vinhos e espumantes dessa faixa de preço ajuda a ter uma vantagem competitiva
bem percebida pelo consumidor” evidencia.
“Vinhos baratos ou de boa relação custo-benefício existem sempre em maior volume nas vinícolas. Logo, os prêmios surgem como possíveis catalisadores de venda”. Miguel Ângelo Vicente Almeida
Já Gabriela Hermann Pötter,
enóloga da premiada Guatambu Estância do Vinho, de Dom Pedrito, acredita que
seja porque, em geral, as vinícolas não inscrevem seus vinhos TOP, por
considerar a qualidade destes incontestável além do que, geralmente, estes
vinhos são feitos de pequenos lotes, de até 2.000 garrafas, não existindo
volume significativo para participar de um concurso. Para Márcio Brandelli os
degustadores avaliam, às cegas, com maior pontuação, vinhos que estão
agradáveis, redondos, aromáticos no momento da prova. “Esses vinhos são menos
encorpados e necessitam de um menor tempo de guarda para se tornarem palatáveis”.
- Por que as vinícolas não
inscrevem seus vinhos top/premium nos referidos concursos? Seria pelo risco de
perderem na avaliação para rótulos mais módicos ou pelo receio destes vinhos
serem taxados de muito marketing e pouca qualidade frente aos coirmãos?
Esta pergunta complementa a
anterior e é um dos pontos de maior curiosidade por parte do consumidor.
Geralmente tais vinhos ícones são encaminhados para avaliações de críticos e
não para concursos, pois afinal o crítico irá às cegas ou não avaliar
unicamente tal vinho, sem concorrentes, e atribuir-lhe uma nota. Tal
publicidade sendo a nota boa é ótima, já se o crítico considerara o vinho
apenas mediano, a vinícola inteligentemente omite tal apontamento para não
prejudicar a comercialização e o investimento dedicado a sua produção e
elaboração.
“A Guatambu teve um de seus vinhos premiados em 2014 e notamos um aumento em vendas deste rótulo em mais de 70%, além da grande mídia espontânea gerada, sobretudo na imprensa de Rio e SP”. Gabriela Hermann Pötter
Miguel Ângelo Vicente Almeida,
enólogo da gigante Miolo Wine Group com sede também no Vale dos Vinhedos em
Bento Gonçalves, reconhecido por seu trabalho visceral e de entrega a cada
vindima e zelo por tais “filhos” concebidos por esta percebe que os vinhos
superiores icônicos são normalmente vinhos de quantidade escassa que sempre
expressam condições naturais muito singulares e motivações de elaboração muito
pessoais, “são sempre vinhos intimistas, introspectivos que não gostam de
grandes públicos”.
Tal opinião também é seguida pela
análise de Irineu Guarnier que considera interessante este fenômeno, pois os vinhos
medianos têm sido muito bem avaliados em concursos internacionais. “Talvez isso
ocorra porque a vinícola esteja mais interessada em obter reconhecimento para
seus vinhos de público mais amplo, e inscreva um número maior de amostras desta
linha. Ou porque pode ser muito mais interessante, do ponto de vista do
marketing, ganhar uma medalha de ouro com um vinho médio do que uma medalha de
prata com um rótulo de alta gama” diz.
- Todos os concursos realizados
no Brasil são sérios e imparciais?
Praticamente todos os concursos
divulgados amplamente pela mídia especializada e atestados pelas vinícolas se
encaixam nestas premissas. Segundo
enólogos ligados a ABE (Associação Brasileira de Enologia) não somente no
Brasil, mas todos os concursos realizados no mundo e confiáveis são os
chancelados pela OIV (Organização Internacional da Vinha e do Vinho), coisa que
no Brasil somente a ABE pode realizar, visto que a OIV somente realiza concurso
em parceria com entidades ligada a Enologia pelo mundo.
“Tem que haver critérios técnicos e idôneos para respaldar os resultados e validando os mesmos. Comparando produto A com A e não produto A com B”. Celso Gromowski
Existem outros no
Brasil e dezenas em vários países que são comerciais, ou seja, quanto mais
vinho se inscreve no concurso mais chances e medalhas se terá, pois estes
organizadores vivem dos concursos. A OIV e ABE não visam lucro. Participante
como jurado de diversos concursos Didú Russo sente-se a vontade para responder
que não conhece todos. “Mas fica fácil saber se se conhece as regras. Os
jurados têm que ter traquejo; as amostras têm que ser desconhecidas dos jurados;
as fichas devem seguir padrões internacionais reconhecidos e os organizadores
precisam também ter uma história de seriedade”. A Valduga por exemplo, somente participa
de concursos que possuem a chancela de órgãos e entidade de credibilidade e
reconhecimento internacional, independentemente de serem realizados no Brasil
ou não.
- Você é a favor ou contra
inscrever vinhos e espumantes para concursos e avaliações?
As opiniões de nossos
entrevistados foram quase unânimes neste sentido,não havendo nenhuma resposta
contrária. Gabriela Hermann Pötter, Márcio Brandelli, Irineu Guarnier Filho, Celso
Gromowski , Jhonatan Marini manifestaram-se a favor. Já Didú Russo pondera
dizendo que depende muito do posicionamento do produto. Para ele o mercado
brasileiro engatinha e há duas centenas de experts, encastelados e tomadores de
grandes marcas. Depois há uns 200 mil consumidores que querem saber, estudam,
perguntam, participam de eventos, estão ligados em pontuações e prestígio de
marcas. Mas o volume mesmo não vem deles, mas dos cerca de 10 milhões de
consumidores de vinho no Brasil que bebem em média 1 ou 2 garrafas por mês da
bebida e não é capaz de citar cinco castas de uva. “Acho que se o produto
pretende atingir este último público, deveria investir em concursos” atesta.
Miguel Ângelo alerta afirmando que um júri competente em todas as mesas
valoriza o resultado do concurso. Concursos e avaliações revertidos em
premiações são ferramentas publicitárias/comerciais. “Atualmente, revimos toda a nossa participação
em concursos e avaliações e reduzimos substancialmente esta. Hoje as nossas
premiações revertem mais para o fortalecimento da marca Miolo, do que para o
aumento da venda. Pode ser um lugar comum, mas não deixa de ser a nossa
verdade: a grande medalha do Grupo Miolo é a satisfação diária, constante e
consistente, dos nossos clientes e/ou consumidores”.
“A avaliação de um grupo de experts no mundo do vinho ajuda a validar os esforços realizados pela vinícola”. Jhonatan Marini
Russo enxerga uma oportunidade
ímpar como apreciador e avaliador de vinhos que é, o espaço um superconcurso de vinhos que no seu formato
e estruturação comparasse as amostras, que tivesse categorias bem marcadas, que
contemplasse vinhos orgânicos e biodinâmicos, que valorizasse as regiões
produtivas brasileiras, que possuísse um especial time de avaliadores mas que também entre estes, pudessem estar um
grupo de consumidores comuns (não especialistas), trazendo para a avaliação o
gosto comum, amador, em contraponto ao especialista.
“Concurso é uma referência apenas, não uma sentença definitiva sobre um vinho. Cada consumidor deve beber o que mais gosta, independentemente de pontos ou medalhas”. Irineu Guarnier Filho
É possível observar que os
concursos de vinhos são importantes para as vinícolas poderem levar seus
produtos ao consumidor com a chancela de especialistas do setor, atribuídas
pelas avaliações debruçadas sobre as amostras escritas. E que tais carimbos
atestadores de qualidade são impulsionadores aos movimentos de estoque nas
gôndolas dos supermercados, distribuidores e demais pontos de venda.
Inscreve-se amostras com o fim de ou para a vinícola ter o feedback dos jurados
sobre seu rótulo bem mais barato do que uma consultoria, apenas par balizar a
qualidade e aparar possíveis arestas produtivas ou para efetivamente buscar um
incremento comercial, um canal de comunicação, um impulsionador de marketing a
seus produtos, trazendo-lhes – se medalhistas – visibilidade e desta forma
agregando valor, desejo e fortalecendo a marca, e claro, o caixa.
*fotos: Emerson Haas e Divulgação EG
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