segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Desarrolhando os concursos de vinho


Serão legítimos? Vale a pena participar? O que se ganha com isso? O consumidor os considera? Eles podem criar tendências de mercado? Esta e mais uma série de perguntas transitam na cabeça de muita gente do mundo do vinho sobre os concursos da bebida de Baco. E neste artigo é possível encontrar uma série de respostas de quem vivencia diretamente tais eventos. Com a palavra enólogos, jornalistas, críticos e produtores.


O mercado de vinhos brasileiro está em expansão, isto é claro. De alguns anos para cá o consumo tem aumentado e as tentativas tanto das vinícolas quanto de importadores de popularizar não o vinho, mas o seu consumo, vem ocorrendo por várias frentes. Uma das oportunidades para impulsionar tal visibilidade e consequente criação do desejo em degustar é pelas vias dos concursos de vinhos.

No Brasil existem vários deles, certamente mais de uma dezena contando os mais expressivos, além de centenas de concursos mundo afora, onde também muitas vinícolas nacionais inscrevem seus rótulos em busca de uma medalha ou troféu. Neste cenário posto se buscou respostas para análise da legitimidade dos mesmos concursos – não do ponto de vista legal ou ético pois parte-se da premissa que todos são idôneos e sérios – mas pela visão de quem dele participa como concorrente ou jurado, na intenção de clarear tal mobilização.


- É importante uma vinícola colocar seus vinhos para participar de concursos e avaliações?

Um concurso bem elaborado e com ampla divulgação midiática pode resultar em ótima oportunidade para as vinícolas divulgarem seus vinhos levando esta premiação até o público consumidor além de ancorar nos concursos um feedback sólido sobre as amostras enviadas aos jurados, podendo alinhar assim e achando necessário a sua rota produtiva. O consumidor inseguro em sua escolha pode ser influenciado por medalhas estampadas nos rótulos de vinhos e espumantes e mesmo ao pesquisar sobre o que comprar, ter tal premiação como decisiva na sua escolha. 


“Eu tenho como foco elaborar vinhos que agradem o consumidor final, não estou muito preocupado com resultados de concursos e premiações”. Márcio Brandelli 


Didú Russo, avaliador, publicitário, consultor e articulista de vinhos, pensa que sim. Segundo ele, a concorrência é muito grande e o desconhecimento do consumidor maior ainda. “Se considerarmos que o consumidor tem à disposição cerca de 22 mil rótulos de vinhos e espumantes, certamente um vinho que ostenta uma premiação lhe passará confiança” atesta. Márcio Brandelli, produtor e sócio da Vinícola Alma Única do Vale dos Vinhedos, em Bento Gonçalves, observa que tudo depende da estratégia de cada vinícola, de como ela quer se posicionar frente a seus clientes, da quantidade produzida, pontos de venda que possui e se essa visibilidade pode fazer a diferença necessária para o negócio.

- O que uma vinícola pode efetivamente ganhar ou perder com essa participação?


“O retorno de uma participação em concurso não pode ser medido objetivamente" comenta o jornalista Irineu Guarnier Filho. E dispara: “quando os vinhos são premiados com medalhas, há ganhos de marketing, pois os produtos recebem um aval de um corpo de degustadores especializados, que pode - ou não - servir de orientação para consumidores iniciantes ou em dúvida sobre o que comprar. Não vejo prejuízo em participar de um concurso. Os valores de inscrição de amostras são, em geral, pequenos em relação ao retorno publicitário gratuito que uma premiação pode proporcionar. E, se não houver prêmios, também não haverá maiores prejuízos, porque os concursos sérios não divulgam os nomes dos vinhos que não obtêm boas notas”. 



“Degustar às cegas - como deve ser em qualquer concurso sério - é uma grande lição de humildade”. Didú Russo


Falando em vinhos com notas ruins, um enólogo que preferiu não se identificar comentou que um ponto negativo da participação em concursos seria voltar com medalha de Bronze que seria pior do que não ganhar nada, pois se não ganhar nada ao menos ninguém ficaria sabendo. Celso Gromowski, gestor comercial da Dunamis Vinhos e Vinhedos, de Dom Pedrito/RS entende que as degustações são realizadas por profissionais sérios e prestigiados, além de serem “às cegas”, ou seja, sem influência de marca. E a avaliação de um grupo de experts no mundo do vinho ajuda a validar os esforços realizados pela vinícola. Uma boa avaliação num concurso pode inclusive servir como trampolim para que os vinhos sejam levados pela divulgação propiciada ao conhecimento de pessoas em diferentes partes do mundo.

- Vinho ganhador de concurso aumenta de preço para o consumidor?

Para alguns produtores concursos ou prêmios não fazem o vinho custar mais caro, pode ajudar a vender, mas não vai conseguir vender se aumentar o preço por causa do reconhecimento. Mas sabemos que há vários e vários exemplos de vinhos tanto nacionais quanto importados que dispararam de preço após terem sido condecorados, não que tal procedimento seja desabonador, pelo contrário, o produtor busca o retorno do seu investimento e busca pela qualidade diferenciada, e, geralmente, assim que a premiação ocorre a procura pelo rótulo aumenta e diminui a oferta, por consequência, o remanescente tem preço revisto. O que – no caso brasileiro – influencia o preço final não é tão somente a margem do produtor, mas a elevada carga de impostos e custos de produção, mas isso é assunto polêmico para outro artigo.



- Por que na maioria das vezes os rótulos de médio preço é que se sagram vencedores?

Jhonatan Marini, enólogo da vinícola Famiglia Valduga, do Vale dos Vinhedos, explica que os produtos Valduga são enviados de acordo com o perfil do concurso e também da disponibilidade dos mesmos no país onde este concurso se realiza. “Os rótulos de médio preço são extremamente competitivos no mercado e é a fatia que compõe a maior parte dos vinhos consumidos no mundo, sendo assim, ter uma medalha nos vinhos e espumantes dessa faixa de preço ajuda a ter uma vantagem competitiva bem percebida pelo consumidor” evidencia.



“Vinhos baratos ou de boa relação custo-benefício existem sempre em maior volume nas vinícolas. Logo, os prêmios surgem como possíveis catalisadores de venda”. Miguel Ângelo Vicente Almeida


Já Gabriela Hermann Pötter, enóloga da premiada Guatambu Estância do Vinho, de Dom Pedrito, acredita que seja porque, em geral, as vinícolas não inscrevem seus vinhos TOP, por considerar a qualidade destes incontestável além do que, geralmente, estes vinhos são feitos de pequenos lotes, de até 2.000 garrafas, não existindo volume significativo para participar de um concurso. Para Márcio Brandelli os degustadores avaliam, às cegas, com maior pontuação, vinhos que estão agradáveis, redondos, aromáticos no momento da prova. “Esses vinhos são menos encorpados e necessitam de um menor tempo de guarda para se tornarem palatáveis”.


- Por que as vinícolas não inscrevem seus vinhos top/premium nos referidos concursos? Seria pelo risco de perderem na avaliação para rótulos mais módicos ou pelo receio destes vinhos serem taxados de muito marketing e pouca qualidade frente aos coirmãos?

Esta pergunta complementa a anterior e é um dos pontos de maior curiosidade por parte do consumidor. Geralmente tais vinhos ícones são encaminhados para avaliações de críticos e não para concursos, pois afinal o crítico irá às cegas ou não avaliar unicamente tal vinho, sem concorrentes, e atribuir-lhe uma nota. Tal publicidade sendo a nota boa é ótima, já se o crítico considerara o vinho apenas mediano, a vinícola inteligentemente omite tal apontamento para não prejudicar a comercialização e o investimento dedicado a sua produção e elaboração.



“A Guatambu teve um de seus vinhos premiados em 2014 e notamos um aumento em vendas deste rótulo em mais de 70%, além da grande mídia espontânea gerada, sobretudo na imprensa de Rio e SP”. Gabriela Hermann Pötter



Miguel Ângelo Vicente Almeida, enólogo da gigante Miolo Wine Group com sede também no Vale dos Vinhedos em Bento Gonçalves, reconhecido por seu trabalho visceral e de entrega a cada vindima e zelo por tais “filhos” concebidos por esta percebe que os vinhos superiores icônicos são normalmente vinhos de quantidade escassa que sempre expressam condições naturais muito singulares e motivações de elaboração muito pessoais, “são sempre vinhos intimistas, introspectivos que não gostam de grandes públicos”.      

Tal opinião também é seguida pela análise de Irineu Guarnier que considera interessante este fenômeno, pois os vinhos medianos têm sido muito bem avaliados em concursos internacionais. “Talvez isso ocorra porque a vinícola esteja mais interessada em obter reconhecimento para seus vinhos de público mais amplo, e inscreva um número maior de amostras desta linha. Ou porque pode ser muito mais interessante, do ponto de vista do marketing, ganhar uma medalha de ouro com um vinho médio do que uma medalha de prata com um rótulo de alta gama” diz.



- Todos os concursos realizados no Brasil são sérios e imparciais?

Praticamente todos os concursos divulgados amplamente pela mídia especializada e atestados pelas vinícolas se encaixam nestas premissas.  Segundo enólogos ligados a ABE (Associação Brasileira de Enologia) não somente no Brasil, mas todos os concursos realizados no mundo e confiáveis são os chancelados pela OIV (Organização Internacional da Vinha e do Vinho), coisa que no Brasil somente a ABE pode realizar, visto que a OIV somente realiza concurso em parceria com entidades ligada a Enologia pelo mundo. 



“Tem que haver critérios técnicos e idôneos para respaldar os resultados e validando os mesmos. Comparando produto A com A e não produto A com B”. Celso Gromowski


Existem outros no Brasil e dezenas em vários países que são comerciais, ou seja, quanto mais vinho se inscreve no concurso mais chances e medalhas se terá, pois estes organizadores vivem dos concursos. A OIV e ABE não visam lucro. Participante como jurado de diversos concursos Didú Russo sente-se a vontade para responder que não conhece todos. “Mas fica fácil saber se se conhece as regras. Os jurados têm que ter traquejo; as amostras têm que ser desconhecidas dos jurados; as fichas devem seguir padrões internacionais reconhecidos e os organizadores precisam também ter uma história de seriedade”. A Valduga por exemplo, somente participa de concursos que possuem a chancela de órgãos e entidade de credibilidade e reconhecimento internacional, independentemente de serem realizados no Brasil ou não.

- Você é a favor ou contra inscrever vinhos e espumantes para concursos e avaliações?


As opiniões de nossos entrevistados foram quase unânimes neste sentido,não havendo nenhuma resposta contrária. Gabriela Hermann Pötter, Márcio Brandelli, Irineu Guarnier Filho, Celso Gromowski , Jhonatan Marini manifestaram-se a favor. Já Didú Russo pondera dizendo que depende muito do posicionamento do produto. Para ele o mercado brasileiro engatinha e há duas centenas de experts, encastelados e tomadores de grandes marcas. Depois há uns 200 mil consumidores que querem saber, estudam, perguntam, participam de eventos, estão ligados em pontuações e prestígio de marcas. Mas o volume mesmo não vem deles, mas dos cerca de 10 milhões de consumidores de vinho no Brasil que bebem em média 1 ou 2 garrafas por mês da bebida e não é capaz de citar cinco castas de uva. “Acho que se o produto pretende atingir este último público, deveria investir em concursos” atesta. Miguel Ângelo alerta afirmando que um júri competente em todas as mesas valoriza o resultado do concurso. Concursos e avaliações revertidos em premiações são ferramentas publicitárias/comerciais. “Atualmente, revimos toda a nossa participação em concursos e avaliações e reduzimos substancialmente esta. Hoje as nossas premiações revertem mais para o fortalecimento da marca Miolo, do que para o aumento da venda. Pode ser um lugar comum, mas não deixa de ser a nossa verdade: a grande medalha do Grupo Miolo é a satisfação diária, constante e consistente, dos nossos clientes e/ou consumidores”.



“A avaliação de um grupo de experts no mundo do vinho ajuda a validar os esforços realizados pela vinícola”. Jhonatan Marini


Russo enxerga uma oportunidade ímpar como apreciador e avaliador de vinhos que é, o espaço  um superconcurso de vinhos que no seu formato e estruturação comparasse as amostras, que tivesse categorias bem marcadas, que contemplasse vinhos orgânicos e biodinâmicos, que valorizasse as regiões produtivas brasileiras, que possuísse um especial time de avaliadores  mas que também entre estes, pudessem estar um grupo de consumidores comuns (não especialistas), trazendo para a avaliação o gosto comum, amador, em contraponto ao especialista.  



“Concurso é uma referência apenas, não uma sentença definitiva sobre um vinho. Cada consumidor deve beber o que mais gosta, independentemente de pontos ou medalhas”. Irineu Guarnier Filho



É possível observar que os concursos de vinhos são importantes para as vinícolas poderem levar seus produtos ao consumidor com a chancela de especialistas do setor, atribuídas pelas avaliações debruçadas sobre as amostras escritas. E que tais carimbos atestadores de qualidade são impulsionadores aos movimentos de estoque nas gôndolas dos supermercados, distribuidores e demais pontos de venda. Inscreve-se amostras com o fim de ou para a vinícola ter o feedback dos jurados sobre seu rótulo bem mais barato do que uma consultoria, apenas par balizar a qualidade e aparar possíveis arestas produtivas ou para efetivamente buscar um incremento comercial, um canal de comunicação, um impulsionador de marketing a seus produtos, trazendo-lhes – se medalhistas – visibilidade e desta forma agregando valor, desejo e fortalecendo a marca, e claro, o caixa.      


*fotos: Emerson Haas e Divulgação EG

Nenhum comentário:

Postar um comentário