O enólogo
Alejandro Cardozo esteve em Santa Cruz e falou de seu trabalho nesta entrevista
exclusiva
Foto:Daniel Arraspide |
Esta semana tivemos a honra de
receber em Santa Cruz do Sul, no encontro mensal da Confraria do Sagu,
tradicional confraria de vinhos da cidade, um dos mais brilhantes e inovadores
enólogos da atualidade, o uruguaio Alejandro Cardozo, pai dos espumantes multipremiados
X Decima e Estrelas do Brasil, consultor de várias vinícolas e um inquieto
pesquisador de melhores métodos e processos produtivos, principalmente na
elaboração de espumantes. Acompanhe a entrevista exclusiva do “mago das
leveduras” feita ao jornal Gazeta do Sul e ao blog Eu, Gourmet.
Nome completo: Alejandro
Alberto Cardozo Rapetti
Idade: 45
Nacionalidade: Uruguai
Time que torce: Nacional de Montevideu
e Palmeiras
Cidade que reside: Caxias do
Sul
Formação profissional: Formado
na Universidade do Trabalho do Uruguai (UTU) na Escola de Vitivincultura no ano
1993
Empresas em que trabalha(ou): Na
empresa Varela Zarranz ou Vudu desde o ano 1992 ate 2002; Piagentini / Grupo
Decima desde 2003 até agora; Estrelas do Brasil: sócio junto com Irieno desde 2005
até agora; Guatambu desde 2011 até agora como Enólogo Consultor; Consultor em
espumantes para Varela Zarranz desde 2007 até 2010 - H Stagnari; Capel em Chile
e atualmente para Garcia e Schwaderer ( Bravado Wines) em espumantes.
Mora no Brasil desde: 2003
Muitos! Desenvolvi toda a
linha de vinhos finos de Piagentini - Decima. Também desenvolvi toda a área de
pesquisa em espumantes na empresa o que chamamos de I+D+I. Ajudei a desenvolver
os rótulos da Guatambu e claro esta da Estrelas do Brasil como assim também de
muitas empresas que não posso citar. Desenvolvi a linha de espumantes da Varela
Zarranz (4 anos melhor espumante do Uruguai). A linha de espumantes da H Stagnari
junto a sua equipe técnica como assim com a Capel e Bravado Wines. Ao mesmo
tempo implantamos técnicas de elaboração que são hoje muito utilizadas por toda
a indústria vinícola.
Como você veio trabalhar no
Brasil?
A convite da Piagentini para
desenvolver a linha de espumantes e vinhos finos. Assim iniciei minha história e
hoje elaboramos para quase 20 empresas como empresa prestadora de serviços e
alguma de essas empresas usam 100 % nosso protocolo de elaboração.
Além do Brasil, em quais outros países você já
desenvolveu vinhos também?
No Uruguai e no Chile.
É possível produzir espumantes
de alta qualidade pelo método charmat? Como?
Sim. E o melhor exemplo é a
Chandon que faz um trabalho excelente. Porém nós preferimos fazer um trabalho
bem diferente que é inovar e essa é nossa marca registrada nos Charmat que é “frescor”.
Tendo uvas de boa qualidade e fazendo um trabalho importante de inovação tanto
na forma de elaborar e como fermentar isso deu em espumantes únicos frescos,
cremosos macios que como resultado de 3 anos de afinar
protocolos e método ganhamos uma grande Medalha de Ouro no Concurso Nacional de
Espumantes com o nosso X Décima Brut Rosé e uma Medalha de Ouro no Concurso
Vinalies 2014 um dos mais importantes concursos do mundo.
Iniciamos nosso trabalho
usando a casta Viognier e fermentando as bases em barricas junto com o uso de
leveduras encapsuladas. Esta combinação era quase a de um enólogo louco! O
Viognier foi um sucesso até o ponto que foi o único Viognier em estar na Avaliação
Nacional de Vinhos até hoje. Os champenoise elaborados com Viognier e Chardonnay
barricados foi também e a prova disso pelos inúmeros prêmios que conquistaram
em concurso e avaliações. Isso tudo foi entre 2005 e 2006 tanto em espumantes
elaborados na Décima como para a Estrelas do Brasil. Em 2007 iniciei dentro da
empresa um trabalho de I+D+I (Inovação + Desenvolvimento + Investigação) para
procurar novas leveduras, métodos e tal. Lembro da frase de Albert Einsten:
“loucura é querer resultados diferentes fazendo tudo igual”. Por isso em 2007
iniciamos nosso processo nos questionando por que usar as mesmas leveduras que
todo mundo usa e partimos para novas leveduras antes não pensadas para
espumantes e o resultado foi muito exitoso. Elaboramos entre 300 a 600 garrafas
por ano em testes e fazemos uma vez por ano uma degustação para colegas do
nosso trabalho de pesquisa. Em 2010 decidimos que devíamos mudar nosso estilo
em elaborar espumantes charmat, pois a impressão que tínhamos é que os charmat
queriam imitar o método clássico e foi ai que partimos para fazer uma mudança
radical em como elaborar espumantes, o que foi um sucesso. Elaboramos
espumantes claros, frescos, jovens, frutados, cremosos e elegantes a preço competitivo. Tivemos um ótimo incremento nas vendas,
premiações em concursos e aceitação pelos consumidores. Dentro desse processo
para Estrelas do Brasil começamos o caminho de fermentar espumantes com rolha
em vez de tampa coroa, produto este que estaremos lançando no próximo ano,
tendo como resultado um espumante muito diferente! Tem muito mais inovações e
métodos, mas como resumo e o que nos deixa felizes, é que muitas empresas
seguem nosso caminho. Quer melhor reconhecimento que esse?
O Brasil - e em especial o RS -
tem ainda como melhorar seus vinhos? Qual seria o caminho para isso?
Tem. Sempre temos o que
melhorar, como qualquer indústria e produto. Eu acho que temos como desafio
entregar ao consumidor cada dia mais produtos e maior qualidade a preço
competitivo, porém para que os preços sejam competitivos deve ter uma pressão
muito forte do setor no quesito “impostos” que as empresas pagam. O consumidor
reclama e parece que as vinícolas estão a faturar e ganhar dinheiro e isso não
é bem assim. Vejam o preço dos produtos vendidos pelas empresas e o mesmo
produto a que preço chega ao consumidor. Devemos melhorar a comunicação,
simplificar o consumo de vinhos e, claro, ouvir e atender a demanda do
consumidor, ver o que ele deseja beber, quais são suas preferências para
entregar esse produto a ele.
Temos espumantes produzidos em vinhedos na Serra e na Campanha Gaúcha, e a Serra do Sudeste, é um bom terroir para este tipo de vinho?
Sim, é. E o melhor é que cada
uma destas regiões possuem caraterísticas próprias possibilitando ao consumidor
degustar espumantes de diferentes regiões e que seja ele que decida que região
ele prefere.
Ainda há algum local promissor
no Brasil ideal para produção de vinhos e ainda pouco explorado?
Acho que novas regiões vão
aparecer sem dúvida, pois o Brasil é muito grande e com muitas regiões e
microclimas específicos. Mas entendo que o que primeiro irá acontecer é
aprimorar alguma região já estabelecida e as novas aos poucos irão tomando
força como os vinhos produzidos em Minas Gerais e Goiás, por exemplo.
Fale da produção da casta
Tannat no RS. É uma uva a se apostar? Quais as diferenças no vinho Tannat
uruguaio e brasileiro?
O Tannat é uma grande casta
que no RS se dá muito bem, tanto na Serra quanto na Campanha. Acho que aqui o Tannat
é mais frutado e possui mais cor, sobretudo pela grande amplitude térmica que
temos. O bom é justamente ter Tannat para poder degustar e comparar. Há Tannats
no Chile e na Argentina que ainda não chegam por aqui mais em breve chegarão.
Você é adepto a passagem de
tintos por barrica? Fale à respeito.
Sim. Mas desde que a madeira
seja de qualidade e bem equilibrada. Qual o grande vinho que não passa em
barrica? Todos. A polêmica que envolve o tema é que a madeira esconde defeitos
e tal. Enfim, o vinho é bem democrático e cada um bebe o que gosta, porém,
quando o vinho tem madeira de qualidade e bem dosada, ninguém rechaça este
vinho. Como tudo, se mal usado, traz resultados ruins.
Numa safra ruim, de que forma
o enólogo consegue extrair o máximo de qualidade e elaborar bons vinhos?
Com muito trabalho de campo,
com tecnologia de vinificação, e com estoque de vinhos de safras antigas para
elaborar bons vinhos. Um detalhe: as safras nunca são todas 100% ruins talvez
uma safra excelente para brancos não quer dizer que é ótima para tintos e vice-versa.
Temos sempre como referência que safra boa é só para tintos, para mim safra boa
é para brancos sobre tudo para os vinhos-base.
O que você acha sobre os
vinhos orgânicos e biodinâmicos? É uma tendência?
Sim. E, sobretudo em orgânicos
muitos produtores estão iniciando esse caminho e outros já iniciaram. Voltei a
pouco de um tour na Austrália e Nova Zelândia onde quase todas as empresas tem
ou estão a ter produtos orgânicos ou biodinâmicos. Estou me referindo a
produtos assim elaborados de grande qualidade.
Sauvignon Blanc é a preferida
entre todas. Não canso de degustar e descobrir SB. Também gosto muito de
Carignan, Tannat, Pettit Verdot, Petit Syrah e Pinot Noir.
Difícil falar em um... Degustei
algumas excelentes garrafas e alguma boa que se transformou em excelente devido
ao lugar e a companhia.
A tecnologia faz diferença na
produção de vinhos? Onde ela aparece?
Sim, muito! Principalmente em
safra complicadas.
No Uruguai temos o Tannat, na
Argentina o Malbec, no Chile o Cabernet Sauvignon. Qual a casta tinta que você
considera que poderá ser o cartão de visitas do Brasil?
O Brasil deve ser ter o
espumante como foco que acho que se perdeu quando tentaram dar ao Merlot tal
responsabilidade. Acho que isso foi uma perda de tempo e norte. Está mais que
demostrado que é excelente o que aqui se faz em matéria de espumante e ainda
que o consumidor não acredite, somos referência quando se fala neste vinho. Temos
tudo para isso: regiões, métodos, cultivares e, sobretudo, não estamos
engessados como outros países com um mesmo método ou somente algumas variedades.
Aqui pode-se criar, imaginar!
Qual a sua opinião sobre a
posição de alguns produtores brasileiros importarem vinhos de outra
nacionalidade e distribuir por aqui? Não é um contra censo?
Não. Esta prática não tem só
no Brasil, mas em muitos países onde grandes empresas aproveitam seus canais de
vendas e distribuição para ofertar um leque de produtos importados. Se eles não
o fazem, alguém irá fazer.
Qual o vinho que você elaborou
que mais orgulho lhe deu?
Irineo Dall Agnol Superiore
2005
Tannat Gran Reserva X Decima
2005
Nature Estrelas do Brasil 2007
Decima Brut Rose Charmat
Guatambu Tannat 2013
H Stagnari Brut 2008
Varela Zarranz Extra Brut 2007
Por que Argentina e Chile
produzem vinhos médios de tão boa qualidade e preço e o que as vinícolas
brasileiras podem fazer para alcançarem este patamar?
Custos de produção e impostos!
Temos o que todo mundo fala do “custo Brasil” que é líquido e certo, pagamos
tudo muito mais caro que a Argentina, Brasil e Uruguai. Iniciamos o processo pelo
custo de produção das uvas. Pagamos aqui uvas brancas de boa qualidade R$ 2,20;
R$ 2,50 e até R$ 3,00 o quilo, ou seja, isso é preço de uva top em outros
lugares. Pagamos mais caro por todos os insumos. Estamos presos em um oligopólio
de fornecedores de garrafas ou seja, somos reféns de 3 empresas, praticam o preço que
querem nas garrafas e se dão ao luxo de não ter garrafas para vender e deixar meses
sem fornecer. Os salários e os demais custos das empresas são mais altos e a carga
tributária - se comparamos Chile e Uruguai que possuem uma taxa única, o IVA, que
não passa os 23%, aqui varia de 45 a 55% de impostos. Também temos uma dimensão
continental o que faz incrementar os custos de distribuição. Concorremos com um
comércio de freeshop e com o descaminho, ambos muito fortes. Com esse contexto não
tem como sermos competitivos, iniciamos o jogo largando atrás.
Prato preferido?
Os extremos: carne sempre
assada na brasa e muito mal passada (e com osso) e frutos do mar.
Os que trabalham com
excelência e seriedade. Em minha cidade atual 3: Umai Yoo , Bottega Pace e
Andreas.
Baigorri na Espanha a as da
Austrália Nova Zelândia pela sua simplicidade no arquitetônico e capacidade de
elaboração de grandes vinhos.
Personalidade admirada na área
do vinho?
Os viticultores e os enólogos
que criam e inovam e que, com poucos recursos, fazem grandes vinhos!
Deixe uma dica para quem está
começando a se interessar em beber vinhos:
Experimente, deguste, prove,
sem preconceitos, tome o que você gosta e ao longo do caminho você irá mudando e
aprimorando seu paladar e preferências. Não se deixe influenciar!
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