Lá pelos anos 50 um toró de água caiu sobre a cidade de Rio Grande e é
nessa circunstância que esta crônica
começa.
Naquela ocasião o pequeno Edison tinha cerca de oito para nove anos e
morava com sua família em uma modesta casa num bairro pobre da cidade. A chuva
que caiu por três dias ininterruptos alagou a cidade e transformou as ruas em
corredeiras que transportavam todo o tipo de coisa: geladeiras, armários,
pedaços de telhado, quadros e animais!
Eis que o pequeno Edison, da janela da
cozinha, olhava aquele aguaceiro todo descendo a rua quando avistou, vindo lá
longe, boiando, quase se afogando, um porco, ainda filhotinho, preto e com o
rabinho que mais parecia uma hélice impulsionando-o corredeira abaixo. Edison
não pestanejou: pegou a panela da mãe, inclinou-se pela janela, prendendo os
pés no fogão à lenha, e, num movimento rápido, “empanelou” o porquinho,
trazendo-o para os seus braços. Teve que tratar o pequeno, pois estava muito
debilitado e quem saberia por quantas horas ele já não estava na água. Com um
pouco de farinha e água fez um alimento e deu para o bichinho comer. Logo, logo
recuperou-se e passou a entreter os moradores da casa, que o apelidaram de
Manivela, pois o seu rabinho quebrou na enchente, ficando parecido com uma
manivela daquelas bem peculiares.
Em poucas semanas o Manivela estava grande e
era motivo de alegria na residência, pois o pequeno Edison havia lhe ensinado
até mesmo alguns truques, ocupando o seu horário após auxiliar a mãe nas lidas
da casa. Com o passar do tempo o porquinho – agora um porcão – foi colocado num
chiqueiro nos fundos do terreno e era alimentado com as sobras de alimentos e
mais alguns legumes perecidos de uma fruteira lá do centro da cidade. Mas a
crise fungava forte no pescoço de todos e para aquela família pobre, cem quilos
de carne significava muito. E eis que num triste e emocionado consenso optaram
por transformar o Manivela em alimento.
A mãe encarregou-se da receita: faria o
pernil numa forma levada ao forno, acompanhado por vinho branco, alhos em casca
– pois adocicaria o sabor do alho –, batatas com casca cortadas pela metade,
sal e pimenta, cebolas inteiras e um pouco de banha derretida para ir
pincelando no pernil. Um banquete! E no jantar, memorável jantar, diga-se de
passagem, a família reuniu-se em torno da mesa misturando a fome com a tristeza
e, entre uma e outra garfada de arroz, com carne pingada de lágrimas, choravam
e murmuravam de boca cheia: – Manivela!!!!!!!!
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