Chocolate e vinho são dois institutos absolutamente diversos e na sua ambiguidade encontrar pretexto e definições para uni-los em torno de algo maior, só se for pela intempestuosa relação de ambos! Na semana passada com a Páscoa e sua simbologia batendo a porta não teve momento nas celebrações em que, entre uma taça e outra, o chocolate ficasse como assunto diverso. As características destes dois pecados enogastronômicos sugerem um distanciamento natural que eu faço questão de conjugá-los sobre o mesmo pretexto: o prazer! E achar no prazer maneiras de deixá-los menos dolorosos e combativos, quem sabe tornando a sua convivência com um resumo maior do que uma mera definição contrasensual. E nesta possibilidade, faço de um breve descritivo minha percepção sobre o assunto, entendendo ambos - vinho e chocolate – como duas mulheres tentadas a satisfazerem o mesmo homem!
Chocolate, mesmo que em desalinho, chama-me atenção por teu sabor! Tua cor ebanica quando derretida, então, brilha em si própria, seduzindo os olhares inescrúpulos e trazendo fantasias de imediato aqueles olhos que derretem-se como a tua forma e teimam em alimentar expectativas, sobrepor desejos. Na boca, fita e surpreende, mesmo sabendo teu gosto cada prova traduz-se em nova experiência. Tua luxúria reanima, teu doce, lambuza, tua textura, excita!
Vinho por que te quero? Companhia indelegável de noites libertinas tua presença esquenta e anima. Ter-te e tua falta caem em suaves devaneios, tão só recuperáveis novamente em teus lânguidos braços envolventes e únicos. Tua identidade refuta algo incompatível como o chocolate, mas assovia em soneto quando desafiado o é!
Iniciados por esta picante metáfora e falando efetivamente de harmonização deste dueto inusitado, uma boa segmentação pode ser feita a partir da diferenças entre os chocolates e as possibilidades de casamento com tais vinhos harmonizados.
O chocolate mascarado em doçura e gordura cria um invólucro na superfície da língua que literalmente manda ao espaço o paladar do vinho. Uma dica de harmonização para tal é o vinho fortificado de origem francesa da região de região de Banyuls Collioure à base da uva Grenache e por isso denominado Banyuls que pode ser branco, rosé ou tinto, de aromas persistentes, carregado de doçura e taninos dóceis, que não batem de frente com a complexidade estrutural do chocolate. Seria a conjugação “perfeita”.
Sendo um chocolate carregado de amargor – acima de 85% de cacau – onde a doçura é acobertada pela adstringência. Para tal mudança um vinho tinto com secura e robustez acentuadas – o corpo de um cabernet sauvignon, shiraz ou merlot jovens e vivos é a recomendação - traz uma combinação notável com o álcool do vinho colocando panos quentes na adstringência do amargor, destacando as características de frutas escuras do vinho pelo toque de amêndoas assadas do chocolate.
Com cacau percentual abaixo do anterior nominado, um bom exemplar de Porto Vintage faz ótimo papel como companhia, por sua doçura e percentual alcoólico elevado.
Se o chocolate receber em sua composição final frutas secas como passas, figos, ameixas e outros servem de par a Porto Tawny ou vinho Madeira. Já frutas cítricas compondo o recheio harmonizam com espumante Moscatel ou Asti. Se o recheio for frutas vermelhas, um Porto Ruby é a pedida. Já se o chocolate for branco, a dica são os vinhos de colheita tardia preferencialmente do novo mundo. Os Sauternes, de sobremesa, também compõem uma boa indicação. E não esqueçamos do champanhe, que por sua acidez elevada, combina com quase tudo, inclusive e bucolicamente com duas mulheres tentadas a satisfazerem o mesmo homem!
Artigo publicado no jornal Gazeta do Sul de hoje.
Nenhum comentário:
Postar um comentário