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sexta-feira, 6 de janeiro de 2012
Minha primeira vez
A primeira vez que comi foi quase cômico. Ainda garoto, lá pelos meus catorze anos de idade, vários amigos já tinham comentado à respeito daquele casarão e o que ele servia. Os assunto sobre o tema era constante e todos que já tinham ido lá, falavam que era uma experiência inesquecível e que, depois que eu provasse, nunca mais deixaria de querer. Aquela casa era diferente das outras do bairro, possuía uma iluminação à noite com nuances alaranjados, às vezes vermelho, e nós, rapazotes na puberdade estampada pelas espinhas nos rosto, ficávamos ali à espreita, vendo quem entrava e saia da casa, muitas vezes freqüentada por mulheres, às vezes casais, mas quem mais se fazia presente eram os homens que entravam, demoravam na sua estada, bebiam vinho, davam risadas, falavam alto e saiam quase sempre suados e com as bochechas rosadas.
O estabelecimento atendia ao meio-dia e à noite, mas nesta nenhum dos meus amigos havia ido, era praticamente proibido, aí - vez ou outra - os mais corajosos marcavam presença ao meio-dia e ou no começo da tarde, quando o movimento era menor. Ir lá significava “pagar” pelo prazer buscado o quê não era barato! Ou se ganhava muito jogo “às verda” na bolitas ou então era necessário varrer a calçada da vizinhança durante muitos dias para arrecadar uns trocados. E teve um dia – lembro bem até hoje – que foi o “meu dia”. Era uma sexta-feira fria e ventosa, em pleno inverno, no qual fui literalmente coagido a abandonar o receio, estufar o peito, tornar-me um homem e entrar pela porta da frente daquele casarão.
Combinamos tudo durante a aula no meio da manhã. No intervalo eu, apreensivo, não saia do banheiro, afinal de contas iria conhecer o comentado lugar e o que ele oferecia de tão especial. Para os meus pais falei que iria da escola para a biblioteca com estudar para a prova de anatomia. Subi na bicicleta e, em caravana, fomos até a casa. Estacionei na frente e nem cadeei a bicicleta, pois em caso de emergência ou de fuga, bastava subir nela e pedalar mais rápido que qualquer coisa. No bolso, os trocados conseguidos nos campeonatos de bolitas que me gastaram a unha do dedão, estavam contadinhos.
Subi o primeiro degrau e hesitei. Fui empurrado por dez mãos que quase me jogaram no salão principal. Entrei e fiquei enrijecido! Dentro do casarão um lustre imenso iluminava languidamente o ambiente. Logo ao lado um sofá de couro preto convidava a um drinque – naquela época seria apenas um refrigerante bem gelado.
Logo adiante um enorme bar com luminárias vermelhas destacava a presença de quem ali se encontrava: homens, mulheres, sozinhos, juntos, em busca de, enfim, envoltos entre risos e tilintar de taças. Ao canto uma enorme lareira aquecia o ambiente, obrigando os presentes a ficarem sem os casacos e cachecóis, refletindo nos seus rostos o calor da chama. E, dez passos adiante, várias mesas completavam o salão, postas diante de uma enorme porta vaivém, de onde belas moças em trajes semelhantes entravam e saiam sorridentes e convidativas. Fui convidado a sentar em uma das mesas. Timidamente me acomodei, impressionado com tudo o que acontecia a minha volta. Uma das moças sorridentes aproximou-se e entregou-me o cardápio: era minha primeira vez em um restaurante!
Artigo publicado no Jornal Gazeta do Sul.
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