terça-feira, 18 de outubro de 2011

Brindando a ousadia: a Utopia de Camarão!

Na última enquete feita por este blog a preferência do internauta na pergunta “qual o seu fruto do mar preferido?” foi pelo camarão, com 63% dos votos, seguido pelo bacalhau com 18%. O camarão ainda é a vedete da maioria dos a la carte distribuidos nos menus dos restaurantes, principalmente no Brasil. Flexível no preparo, o camarão possui vários tipos espalhados pela costa de nosso país-continente:



- Camarão Branco: graúdo com até 20cm de comprimento é encontrado em alto mar e geralmente pescado profissionalmente;
- Camarão Rosa: pesca profissional em alto mar e um pouco menor que o branco;
- Camarão Laguna: pesca artesanal de lagoa ou cativeiro;
- Camarão 7 barbas: também conhecido como “de areia” é de pesca artesanal atinge 7 a 8cm no máximo;
- Camarão Santana ou Vermelho: pesca profissional, muito confundido com rosa, porém com pouco valor comercial por ser um camarão de textura um tanto quanto massudo.




No Jantar dos Cozinheiros da Liga Feminina de Combate ao Câncert de Santa Cuz do Sul deste ano apresentei uma criação com o referido fruto do mar em conjunto com o amigo e parceiro de cozinha Sandro Laste, prato denominado Utopia de Camarão ou na nomenclatura explicativa “camarão salteado em manteiga de açafrão e alho negro e provençal de cheiro verde; crostini de polenta com leite de côco coberto com patê de ricota defumada, cream cheese e haddock em molho demi glace desconstruído”.


O prato Utopia de Camarão

A junção destes diferentes sabores resultou numa nova e única construção culinária idealizada para homenagear a ousadia e criatividade da cozinha contemporânea brasileira, elaborada e servida a quatro mãos, no jantar benemerente as nobres causas da LFCC.

Criar um novo prato não é uma tarefa fácil, pois exige muito conhecimento técnico e uma certa habilidade sensorial elevada, afinal de contas dosar seus sabores, manter as características originais de cada um de seus principais elementos, fazer as correções necessárias em busca da excelência do sabor e pensar numa apresentação e decoração elegante são apenas alguns predicativos a serem seguidos. Alguns ingredientes e preparos podem parecer desconfortáveis aos olhos, mas com uma boa dose de parcimônia e dedicação os mistérios da receita do comentado Utopia de Camarão poderão ser elucidados em 4 didáticos atos a seguir, apresentados nesta e na próxima semana, passo à passo, oferecendo ao leitor a possibilidade de mergulhar no universo criativo da culinária amadora mas ainda assim sedutora e apreciativa.


O amigo Sandro Laste e este colunista num dos testes do prato

Primeiro Ato: o Molho Demi Glace Desconstruido:

O molho demi glace é preparado a partir de um fundo de carne escuro bovino e mais o molho espanhol, e é obtido pela redução de partes iguais destes dois molhos até atingirem um quarto do seu volume original. O demi glace possui sabor rico e complexo, cor marrom escuro e textura encorpada. O fundo escuro de carne bovina leva cerca de quatro quilos de ossos bovinos limpos, óleo de canola ou soja, água, uma mistura de mirepoix (cebola, salsão e cenoura picados), extrato de tomate e sache de ervas como estragão, alecrim entre outras. Os ossos são assados no forno e depois levados a panela, somados os ingredientes e cozidos por várias horas. Já o molho espanhol utiliza farinha de trigo, manteiga, caldo de carne, vinho branco seco, extrato de tomate, bacon, cenoura e cebola entre outras coisas. Ambas receitas destes molhos requerem preparo de quase um dia de trabalho portanto a dica é adquirir este molho pré-pronto em mercado ou delicatessens. Assim que o demi glacê fica pronto numa consistência quase gelatinosa, “desconstrói-se” o mesmo levando-o novamente ao fogo, adicionando a mesma quantidade de água fervente, mexendo bem e coando-o, separando o mosto do líquido e depois encorpando-o delicadamente com um roux claro, que nada mais é que manteiga aquecida com farinha de trigo bem misturada.


Uma das apresentações testadas

Segundo Ato: o Crostini de Polenta com Leite de Coco:

O termo crostini significa na culinária italiana um pão ciabata que é levado ao forno para ser tostado ou torrado e que depois serve de base para variadas coberturas de patês, legumes e queijos. Utilizou-se este conceito para criar o crostini de polenta, ou seja, prepara-se uma tradicional polenta onde além de seus habituais ingredientes coloca-se uma quantidade de leite de côco, atribuindo um sabor que irá casar mais harmonicamente com o camarão que comporá o prato. A polenta deve atingir uma consistência firme e ao ser aberta em formas, observar altura média de dois centímetros. Após o esfriamento usa-se discos de aço inox para cortar as polentas em “bolachas” individuais com cerca de sete centímetros de diâmetro. Finaliza-se estas polentas no forno besuntadas com um fio de azeite de oliva, assadas em assadeiras untadas com manteiga por cerca de vinte minutos.

Terceiro Ato: o Patê de Cream Cheese, Ricota Defumada e Haddock

O haddock é um peixe da família do bacalhau e é encontrado no Brasil somente defumado e que sugere diversas preparações. Utiliza-se um a parte pequena cozida por cerca de um minuto no microondas e depois é levado ao processador junto com o cream cheese e a ricota defumada esmigalhada batendo vigorosamente. Esta mistura é levada a um bowl de cerâmica ou metal onde adiciona-se mais outra parte da ricota, um pouco mais de cream cheese e queijo parmesão ralado, além de pimenta do reino moída na hora para ser mexida para incorporar os ingredientes.


O laboratório e a alquimia

Quarto Ato: o Camarão Salteado em Manteiga de Açafrão e Alho Negro e Provençal de Cheiro Verde

Inicialmente deve ser preparada a manteiga de açafrão que sugere uma fácil tarefa, pois basta levar os tabletes de manteiga ao microondas por cerca de 20 segundos para amolecerem. Num recipiente adicionar esta manteiga e juntar as especiarias como o alho negro picadinho, o açafrão em pó em quantidade até alaranjar a mistura, o gengibre em pó, a páprica picante e os demais temperos como alho em pasta, sal e pimenta do reino moída na hora. Mexer bem e dispor pequenas quantidades formando cilindros desta manteiga em papel alumínio. Deve ser enrolado e levado a geladeira para readquirir consistência e conservar. Para este preparo é necessário eviscerar o camarão preferencialmente de tamanho grande restando apenas a rabeta e temperá-lo pouco antes de saltear com cheiro verde picadinho, alho em pasta, gengibre picadinho e pimenta preta. Aquecer uma frigideira com pedaços da manteiga aromatizada e em fogo alto saltear os camarões temperando apenas com sal.


A apresentação ao público no Jantar dos Cozinheiros 2010

Por fim basta a montagem do prato cuidando para não se ter uma poluição visual ou o uso de ingredientes que discordem da proposta de sabor. Uma boa e limpa forma de monta-lo é dispondo no centro do prato o crostini de polenta, por cima deste uma generosa colher de patê e sobre este uma unidade do camarão salteado. Envolver a polenta com uma concha do molho demi glace e decorar usando ceboullettes e raspas de limão siciliano desidratadas com salsinha. Após uma longa jornada de muito estudo, troca de idéias, provas, preparos, montagens e apresentações chega-se ao ápice que é servir tal criação e ver no rosto dos comensais o sorriso de satisfação estampado que paga todo o investimento criativo de um gourmet.

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